Apresentação do livro “Ednei Giovenazzi – dono da sua emoção”, de Tania Carvalho para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, de 2010 (para ler a obra, na íntegra, clique aqui)
Ednei Giovenazzi é uma pessoa muito especial. Doce, calmo, afetivo, apaixonado pelo que faz e pelas pessoas amigas que o cercam. E, para elas, tem sempre um mimo: uma palavra carinhosa quando necessário, um agrado, quando a carência bate, uma ida à cozinha para fazer algo especial só para adoçar a vida do outro. E ele faz isso com muita naturalidade, não por carência, para ganhar pontos. Faz porque é assim, e não é agora, na oitava década da vida, que vai mudar. E, de verdade, acho que ele nem conseguiria.
“Meus amigos dizem que sou uma pessoa afetiva. Juro que não tenho muita consciência disso. Faço porque só sei ser assim”. Por isso ele vive cercado de amigos queridos e tem orgulho de dizer que não tem inimigos, “apenas pessoas que não simpatizam comigo, com todo direito, inclusive”.
Conheço Ednei há muitos anos, chegamos a trabalhar juntos uma época, quando eu e Bia Radunsky fazíamos divulgação de teatro e fomos convidadas para a montagem de “Caixa de sombras”. A primeira reunião foi feita na casa de Ednei, no Tambá, condomínio badalado de artistas, no Vidigal, em tempos onde o tráfico não dominava a região e todos eram muito felizes nos pequenos apartamentos dúplex, com vista espetacular para a praia. Ednei nos recebeu para a conversa com canecas de café e bolinhos de chuva, feitos especialmente por ele. Claro que isso virou folclore na nossa história. Sempre que nos encontrávamos eu fazia questão de lembrar a gentileza e podia sentir de volta o gosto da canela na boca.
Não que tenhamos nos perdido, nos vimos várias vezes em casas de amigos, nos corredores das televisões, em espetáculos teatrais, mas papo mesmo aconteceu agora, quase 30 anos depois, quando nos reencontramos para começar este livro. Desta vez, no apartamento de Ednei em Copacabana. Um lugar bonito, amplo, com muito vento entrando pelas inúmeras janelas, de onde se vislumbra a praia mais famosa do Rio de Janeiro. Conversamos bastante e quando o gravador foi desligado, ele pôs a mesa, esquentou a água para um chá e tirou os bolinhos de chuva do forno, onde estavam guardados para não esfriar. Um delírio! Sua empregada havia perguntado por que Ednei estava tão atarefado na cozinha fazendo bolinho de chuva. E ele respondeu casualmente: “Ora, porque está chovendo”. Que mentira, ele só queria me ver feliz. E conseguiu. A partir daí, o ritual se repetiu: sempre havia um chazinho de cidreira depois das entrevistas e uns biscoitinhos – os bolinhos de chuva foram proibidos em função da silhueta. E uma conversa gostosa, daquelas que dá saudades quando termina.
Nossos encontros foram semanais, durante os meses de outubro e novembro de 2009, às vezes duas sessões para adiantar o trabalho – Ednei estava se preparando para uma temporada em São Paulo, para as gravações de “Uma rosa com Amor” e estava bem animado com a possibilidade. Aliás, uma constante é sua empolgação pelo trabalho que, segundo ele, o rejuvenesce. Pode ser isso então que faz com que este senhor de 79 anos pareça bem menos – não tanto no rosto ou no corpo, embora sua postura seja absolutamente perfeita, de um jovem de 30 anos, mas na maneira de ser: atento, vivo, antenado, ligado nas novidades. “Eu sou velho, mas um velho atuante e isso me deixa muito feliz” – garante. É… Ednei sabe mesmo o segredo da eterna juventude da alma. E talvez isso tenha a ver com tanta gentileza. É um caso a pensar.
Ednei se formou dentista, trabalhou muitos anos na carreira, da qual até hoje se orgulha muito. Um dia começou no teatro amador, foi convidado a virar profissional e por muitos anos permaneceu equilibrando as duas atividades. Um dia desmaiou na rua de exaustão. Seguindo o conselho do pai de fazer aquilo que realmente amava, virou um homem de teatro, um ator para sempre. Não pergunte para ele, porém, quando isso aconteceu. Ele não se lembra mesmo, nem do ano, nem da peça que estava fazendo. Digamos que foi em qualquer mês do final dos anos 1960 que ele realmente optou pela arte. Embora tenha uma ótima memória, Ednei não faz questão de gravar datas, nem mesmo no seu currículo. É como se seu trabalho estivesse sempre em permanente renovação e o passado seja uma referência, mas não o mote de sua vida. O melhor está no presente e, com certeza, no futuro para este homem que não tem medo de encarar personagens diversos, trabalhos ousados e muito esforço para conseguir o resultado que deseja deles.
Ator característico, com um típico físico muito propício a isso, pois camaleonicamente pode mudar completamente – seus olhos amendoados permitem que ele faça um oriental com tranquilidade – Ednei, mais do que nunca, escolhe o que vai fazer, em especial no teatro. E se orgulha disso e também de ter largado muitas vezes um contrato na televisão – que o projetou nacionalmente – por uma aventura no teatro. O palco é sua vida e viver a ilusão o mais profundamente possível é a sua meta. Em meio a nossas conversas surgiu o título – o ator tem que ser dono da sua emoção. Escolhi sem hesitação: Dono da sua emoção – é isso que ele é, alguém que domina a própria emoção e captura a do público tornando-a sua. E é disso que ele gosta: construir sentimento por sentimento, como em uma casa que um tijolo é colocado após o outro, e com toda emoção dar vida àqueles personagens tão diferentes dele que vão invadir o imaginário das pessoas. Ou alguém se esqueceu de Chico Treva, o coveiro estranho, meio Nosferatu, da novela “Felicidade”? Ou da figura trágica do confessor em “Mary Stuart”, um de seus mais recentes trabalhos no teatro?
Eu jamais esqueci os personagens que ele fez ao longo dessas décadas e é bastante prazeroso poder recordá-los neste livro. E que venham muitas tardes de chá e bolinho de chuva… Sempre.