Era início da noite da última sexta-feira (7). Quem estava pela Praça Roosevelt viu quando dois senhores, de cabelos grisalhos, andavam pela rua conversando tranquilamente, em italiano. Um deles era Nicola Savarese, diretor e pesquisador de teatro que, na véspera, ministrara uma conferência na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco. A seu lado estava ninguém menos que Eugenio Barba, diretor teatral, fundador do Odin Teatret e criador da ISTA (International School of Theatre Anthropology), reconhecidamente uma das principais figurais do teatro mundial.
Em poucos minutos, a dupla adentrava a Sede Roosevelt da Escola, onde aconteceu o lançamento da nova edição do livro de sua autoria: “A Arte Secreta do Ator – Um Dicionário de Antropologia Teatral” (Editora É Realizações, 336 págs., R$ 238). Para brindar à chegada da publicação – que estava esgotada e, agora, revista e ampliada, volta ao mercado nacional –, foi promovida uma palestra com os autores, mediada pela diretora Cibele Forjaz e com participação de Edson Filho, presidente e editor-chefe da É Realizações. A tradução foi feita pela pesquisadora Patrícia Furtado de Mendonça.
Transmitida ao vivo via videostreaming, o encontro, uma parceria com a produtora Palipalan Arte e Cultura, começou com Savarese falando um pouco sobre a composição e a estrutura do livro: “Esta obra, em todas as línguas, fez uma espécie de milagre, porque cada edição consegue ser original. Ele é vivo como uma anaconda. Acho que essa foi a grande sorte do livro”. Já Barba creditou a criação ao seu parceiro: “A verdade é que a primeira edição de ‘A Arte Secreta do Ator’ foi totalmente feita por Nicola”.
Daí em diante, o trabalho do diretor, o Odin e a Ista passaram a pautar a conversa. Sobre seu grupo, Barba disse: “Uma das características do Odin é trabalhar com número reduzido de espectadores. Temos espetáculos até para 20 pessoas. Isso vem da ideia de fortalecer a técnica de estabelecer uma relação. Tentamos entender como podemos concretizar isso, por exemplo, com a pedagogia”.
Ao compartilhar sua visão sobre o teatro, Barba deixou clara sua opinião. “A verdadeira finalidade do nosso ofício é ganhar dinheiro. O teatro é uma indústria, o interessante é que existam aqueles que acreditam que ele é um ritual, terapia, que tenha a capacidade de mudar o estado de consciência das pessoas.”
Encerrada a conversa, era hora da sessão de autógrafos e coquetel. Durante o evento, dezenas de pessoas compraram o livro e tiveram a chance de conversar com os autores.
A atriz Débora Duboc era uma delas. Empolgada com o encontro, ela comentou que “o Eugenio é uma referência para qualquer profissional de teatro. É um artista muito generoso. Desmitifica uma série de questões e retoma o trabalho do ator e a ideia de que somos operários do teatro. Foi muito bom estar aqui e ouvir suas palavras”.
Seu marido, o cineasta Toni Ventura, também foi prestigiar o lançamento. “É muito bem-vinda a presença de pessoas extremamente relevantes, em uma reflexão sobre o teatro e formas de expressão. Barba tem muito a falar, especialmente em uma escola de teatro, onde são formadas as próximas gerações de artistas”, observou.
Eufórico, Barba também demonstrava alegria por estar na Escola, onde já esteve em outras duas ocasiões, em 2010 e 2011. “Gosto muito que o livro esteja sendo lançado aqui. É a terceira vez que venho a São Paulo e à Escola. Esse lugar sempre é como uma casa para mim. Também acho fundamental que essa obra chegue aos jovens”, disse.
Barba Novamente
No dia seguinte ao lançamento do livro, sábado (8), o público pôde ver Barba de perto mais uma vez, em uma mesa de discussão que teve a participação de Ivam Cabral, diretor executivo da SP Escola de Teatro, Carlos Simioni, da companhia Lume de Teatro, e a mediação do jornalista Valmir Santos.
Da esq. p/ a dir.: Valmir Santos, Ivam Cabral, Eugenio Barba e Carlos Simioni
Após apresentar os participantes, Santos passou a palavra a Barba, que abordou a origem do teatro europeu e suas fases, até a criação do Odin, na década de 1960, quando, segundo ele, com o advento da contracultura, houve uma modificação no comportamento e nas formas de expressão, que chegou até o teatro.
“Percebemos que o teatro pode entreter, fazer pensar, mas não modifica a vida das pessoas. Naqueles anos, pensamos que o teatro muda a vida de quem o faz, isso sim”, disse.
Seu ‘mestre’, Jerzy Grotowski, a relação entre ele e o Brasil, e a descoberta de grupos teatrais da América Latina, foram outros dos temas abordados pelo italiano.
Simioni, por sua vez, falou um pouco mais sobre o teatro de grupo, especialmente sobre a trajetória do Lume, companhia que fundou ao lado de Luís Otávio Burnier em 1985 e integra até hoje. “Ontem, fiquei emocionado ao ver tantos jovens perguntando ao Barba e ao Nicola sobre o teatro. Quando trouxemos o Eugenio, em 1987, havia uma grande curiosidade, mas era diferente. Seu trabalho ainda não era tão conhecido por aqui”, frisou.
Recém-chegado da Galícia, onde participou do “III Encontro Internacional de Políticas de Intercambio no Ámbito das Artes Escénicas”, Ivam Cabral, além de citar pontos importantes da viagem, relembrou a trajetória da companhia Os Satyros, coletivo co-fundado por ele, em 1989.
Outro tópico levantado por Ivam foi a SP Escola de Teatro. A origem do projeto, bem como suas especificidades, como a nomenclatura adotada (por exemplo, matriz e componente, em vez de grade e disciplina) e a formação pensando no coletivo foram resumidas por ele. “Tivemos liberdade total para criar este projeto”, lembrou.
Depois de abrir espaço para as perguntas do público, que expôs suas dúvidas ao convidado italiano, o mediador Valmir Santos encerrou o encontro compartilhando sua experiência na Odin Week Festival, evento anual realizado pelo Odin Teatret, lendo, emocionado, a carta de boas-vindas que os participantes receberam na chegada ao evento.
E, com generosos aplausos, encerrou-se a terceira passagem do carismático Eugenio Barba pela SP Escola de Teatro.
Em entrevista à Rádio Cultura Brasil, Ivam Cabral fala sobre Barba
Hoje (10), pela manhã, Ivam Cabral foi entrevistado ao vivo no programa Galeria, da Rádio Cultura Brasil (1200 AM São Paulo). Durante a conversa, ele falou sobre Eugenio Barba e Nicola Savarese, o lançamento do livro, a importância da publicação e até sobre a proposta e o funcionamento da SP Escola de Teatro.
“Se pudéssemos elencar, o Eugenio estaria, certamente, entre os cinco maiores diretores do mundo. ‘A Arte Secreta do Ator – Um Dicionário de Antropologia Teatral’ é um dos principais volumes da formação teatral brasileira. E, agora, o Brasil recebe a alegria de ter essa obra lançada entre a gente”, comentou Ivam.
Para ouvir a entrevista na íntegra, clique aqui.
Texto: Felipe Del