O antropólogo Pedro Cesarino também participou da série de encontros com os aprendizes da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, na tarde de sexta-feira (12/8). Especializado em etnologia, o convidado definiu o tema da conversa como “Matrizes Narrativas no Brasil”.
Cesarino desenvolve, desde 2004, um estudo – também objeto de sua tese de doutorado – sobre o xamanismo e a poética dos Marubo do Vale do Javari, uma tribo indígena amazonense. Tradições orais, mitologia, cosmologia e antropologia da arte são alguns dos assuntos investigados nesse trajeto.
Valendo-se dessa experiência, o pesquisador iniciou seu discurso falando sobre identidade. Mais precisamente, sobre a construção de uma identidade nacional, que, no caso do Brasil, aconteceu em meados do século XIX, com autores romancistas, como José de Alencar, Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias. O problema, segundo ele, é que ao longo desse processo, alguns componentes são “inventados”.
“Essa figura do indígena que conhecemos hoje é exemplo de uma formação engessada da identidade”, observou, referindo-se às características e costumes atribuídos aos índios naquela época. Essa limitação, Cesarino explica, é agravada pela falta de registros confiáveis dos povos ameríndios. “Não existem muitas referências confiáveis sobre as línguas e narrativas ameríndias. Por isso, educadores devem adquirir repertório para entender essa semiodiversidade.”
O convidado prosseguiu abordando o trânsito de narrativas, especialmente as míticas – que têm como tema principal o momento da criação do mundo e do homem – entre povos de culturas e línguas totalmente diferentes. Esse trânsito, ele explicou, leva, consequentemente, a uma certa perda de sentidos. “A língua é mais que uma ferramenta de comunicação, é o acesso a um mundo original.”
Aprendizes na palestra com Pedro Cesarino (Foto: Arquivo)
Após esse primeiro bloco, a conversa enveredou por caminhos filosóficos, liderados por uma constatação do palestrante acerca do conceito de pessoa, que é diferente do conceito de indivíduo. A maneira como as narrativas são repassadas nas tribos, a estrutura e função dos cantos que se dão nesses locais de convívio coletivo e a posição do índio, atualmente, ao receber influência cultural de outros povos, foram os assuntos discutidos na outra parte da conversa.
Ao ser questionado sobre a alteração nas linguagens repassadas pelas tradições orais, Cesarino respondeu: “Quando lido com registros, inevitavelmente, e às vezes involuntariamente, edito e altero alguns elementos, mas tento fazer de uma forma respeitosa. Os jesuítas, por exemplo, usaram-na como ferramenta de dominação”.
Para finalizar o encontro, o convidado pediu aos aprendizes que, ao lerem o livro “Viva o Povo Brasileiro”, busquem, em seu conteúdo, algumas das tradições e influências retratadas por ele durante a conversa.
Texto: Felipe Del