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“Cipis transworld art, industry & commerce”

Publicado em: 02/08/2015 |

1 – Editado pela Edusp e recentemente lançado na Galeria Emma Thomas, o volume 22 da coleção Artistas da USP chegou ao mercado. Trata-se de uma coletânea formidável de uma boa parte das duas primeiras décadas dos trabalhos do artista plástico brasileiro Marcelo Cipis.

Já em 1991, na instalação “Cipis transworld art, industry & commerce”, apresentada na 21ª Bienal Internacional de São Paulo, Cipis transitava pelas performatividades. Ali, interrogando os clichês que o mercado dita no campo das artes visuais (e para além delas), Cipis cria um stand de uma multinacional fictícia: entre vários produtos oferecidos, eu mesmo ganhei uma barra de sabão em pedra com a sua logomarca!

Com ironia e ludicidade — doravante emblemas de todos os seus trabalhos —, Cipis nos remete à questão da representação. Nos processos criativos, copiamos ou inauguramos?

Como se sabe, a performatividade aparece primeiramente nas artes plásticas — e, evidente, muito antes da Bienal de 1991. O teatro, em suas pesquisas, absorve o conceito mais tarde, fertilizando-se das experimentações e criando novas linguagens. Observar as investigações das artes visuais (conceituais e figurativas) será sempre fecundo para as artes do palco.

E, note-se, nos experimentos, todas as artes parecem se encontrar: a performance permite que ator e artista plástico habitem por um instante o mesmo campo, numa interpenetração de distintas línguas.  A passagem recente de Marina Abramovic por São Paulo, por exemplo, corrobora esta ideia. Nas oficinas da artista sérvia, vemos a dissolução de várias fronteiras, inclusive daquilo que separa a obra do espectador.

Numa seara vizinha, se olharmos a filmografia de Eduardo Coutinho, plantada noutro território, assistimos ao performativo adentrar a sétima arte — ou, antes, pelo contrário, assistimos ao performativo sendo ali legitimado.

Pois bem.  Identificamos todos esses sotaques no traço de Cipis. E não deve causar estranheza reconhecer certa “teatralidade” em muitos de seus trabalhos. Nesses casos, frequentemente, o próprio criador se infiltra na cena observada, resultando numa falsa impressão de autoenaltecimento, como naquela bienal de 1991. Curiosa clarividência, o faro do artista antecipa o selfie!

2 – Aliás, o teatro está mesmo na raiz desse artista: em sua árvore genealógica, Cipis é filho e neto de grandes atores russos, mambembes e itinerantes. Pobres, alternativos e experimentais. Quando seus antepassados aqui aportam, juntamente a outros homens e mulheres de fibra, fundam a Casa do Povo, no Bom Retiro – Centro de Cultura, da esquerda judaica, em que, pra citar apenas um exemplo entre tantos outros, Alberto Guzik se inicia nos palcos, no final dos anos 1940, pelas mãos de Tatiana Belinky! Na década seguinte, Boris Cipkus, pai de Marcelo Cipis, ganha o prêmio Governador do Estado, de melhor ator!

3 – Voltando às artes visuais! Surfando em ondas similares àquelas que conduziram Coutinho, e que conduzem Abramovic entre outros artistas contemporâneos, Marcelo Cipis é igualmente um pesquisador de fronteira. Está sempre no limite: entre a palavra e a imagem; entre a pintura e a ilustração; entre a figura e o conceito; entre o processo e o episódio; entre a tela plana e a instalação…

Ele é também um pintor vintage, por assim dizer: as marcas da memória estão presentes em seus trabalhos, compondo uma estética que remete a alguma época pessoal e histórica, mas também, concomitantemente, a um tempo da cidade, e que atinge multidão mais numerosa. São citações sutis, que tornam seu traço carregado de humor e técnica. Não é difícil reconhecer o alvo de seu olhar crítico, em pequenos fragmentos, com endereços certos, que circulam por seu universo.

Artista de inúmeras fases, fica ao gosto de cada um eleger aquela de sua preferência. Pessoalmente, fico com as obras em que o figurativo comparece, atestando o incrível ilustrador que Cipis também é. Andy Warhol antropofágico!

Criador de um estilo que sobreviverá a ele, em sua trajetória, Cipis contamina com graça o nosso mundo! Tudo isto está em seu novo livro. Os desdobramentos de seu caldo cultural estão aí para serem digeridos. Mas isto leva tempo… Sua primeira tela é de 1982 e está pendurada na parede lá de casa há décadas. Sou homem de sorte!

Com belo ensaio de Valéria Piccoli sobre a obra do artista, o livro pode ser adquirido no site da Edusp.

Em tempo: a editora fica nos devendo um segundo volume que inclua os últimos treze anos de incansável pesquisa do artista, porção que ficou de fora desta vez! E que talvez seja a de sua maior profusão…

Fotos: Pablo saborido

 

* por Sergio Zlotnic, especial para o portal da SP Escola de Teatro – zzzzlot@gmail.com