“Anatomia do Fauno” é poderoso teatro dirigido por Marcelo D’Avilla e Marcelo Denny, em temporada na SP Escola de Teatro – Sede Roosevelt. Os diretores e toda a equipe transformam em imagens a poesia de Rimbaud. E o fazem corajosamente. Com elenco vigoroso, dezenas de atores talentosos, assistimos ali a força chegando junto com a forma, ou ainda, antes dela, como desejou Artaud.
Sem uma única palavra, em 100 minutos de intensidade, o grupo faz grande teatro. Explorando os sexos, as atrações, as separações, as dificuldades de separação, os corpos, seus encaixes, desencaixes, atritos, posições, indisposições…, a Cia cria fantásticas atmosferas, minuto a minuto, num crescente que culmina numa festa/celebração tão lúdica e sedutora, tão cheias de lascívia, que alguns espectadores são atraídos magneticamente ao palco, pelo apelo, jogando-se nele, em suas poças de fluidos lúbricos espalhados durante a performance.
A experimentação oferece um espetáculo cuja coesão está dada, de antemão, por assim dizer, independente, como um grande acerto: seu aspecto “ritualístico” não obriga ninguém a comungar. Se nada funcionar, se não ocorrer a tal “suspensão”, a peça se sustentará mesmo assim! Sinal de máximo respeito com o público: houve trabalho exaustivo de pesquisa – evidente para o espectador – que resulta na criação de uma linguagem singular, pré-verbal, “tribalista”, em que as pequenas estórias se contam per se. São vinhetas coletivas de escandalosa beleza plástica, sublinhadas por uma trupe que transborda teatralidade. Com maravilhosos figurino e cenografia, assistimos a um teatro físico, despudoradamente denso de libido e testosterona. A destacar a excelência do ator que encarna o Fauno, cujo corpo parece elástico e enlouquecido de vida.
Partindo da investigação do homoerotismo nos dias que correm, apoiada na poesia do francês maldito, conforme nos informa a sinopse, o espetáculo, entretanto, desemboca num território que ultrapassa o público militante das liberdades de gênero e de inclinação sexual: ele diz respeito à matéria humana da qual somos feitos, para além das exaustas categorias sexuais – que não dão conta da diversidade que habita o mundo colorido.
Uma ressalva: na primeira metade da peça, a luz dialoga com as cenas, faz sombras bastantes pra que as ações ganhem espessura, ocultem realidades, criem outras. Na segunda metade, porém, por opção ou ainda desajuste de iluminação, os atores ficam expostos demais. E os efeitos impressionantes – como o do Fauno dentro de um saco plástico, que se transforma em tubo, assoprado por ventos, que assim se transmuta em uma grande camisinha, ou num falo gigante – perdem potência.
Ainda assim, o que vemos no palco é um banquete teatral, em que nem Rimbaud, nem Artaud, nem Mapplethorpe – para citar apenas alguns dos grandes – passariam fome!
Todavia, vale um alerta: o espectador que não for capaz de flexibilizar a própria analidade, não deve assistir a este espetáculo! Des-recalcante!
Serviço
SP Escola de Teatro – Sede Roosevelt — Sala R1
Praça Roosevelt, 210, metrô República, 3775-8600
De 9 de abril a 16 de maio. Sábados, 23h; domingos, 19h.
R$ 40 | Não há venda de ingressos online. A bilheteria abre uma hora antes de cada sessão. Pagamento apenas com dinheiro em espécie.
Duração: 100 min.
Classificação: 18 anos