1- Muitos discordaram da última coluna, com indignação, através de mensagens de e-mail, por causa do tema polêmico abordado ali, a respeito da sexualidade humana – que, segundo afirmei, se distancia do sexo animal. Mas não só reafirmo o que escrevi como acrescento: entre os humanos, neste caso específico dos arranjos sexuais, o problema é encontrar quem se oferece como modelo de saúde. Onde está o cidadão saudável? (sexualmente saudável). Qual a sua localização? O que ele sente? Como se comporta? Pela nossa saúde, deveríamos buscar imitá-lo?
Saúde é palavra ausente do dicionário da psicanálise, e este talvez seja um de seus maiores méritos: por não ser moralista, por não pretender pregar modelos desde um lugar de onipotência, a psicanálise não dita regras e se dedica a observar os fenômenos humanos, da maneira como eles se apresentam a nós.
Isso não quer dizer que o analista não possa ser moralista, o que infelizmente não é tão raro: ele mesmo com questões sexuais (e outras) mal elaboradas, fato grave, praticando ortopedia. Enfiando modelos e normas, de fora para dentro, goela abaixo do paciente…
De qualquer forma, a palavra “saúde”, a não ser quando dirigida a alguém que espirra, é estrangeira à psicanálise.
Freud circunscreve a patologia para, em seguida, tornar regra a exceção: a histérica do século XIX veicula uma dor e uma verdade universais, culminando no reconhecimento de que neuróticos somos todos. Isso quer dizer também organizar-se sexualmente de uma maneira singular: tornar-se sujeito, subjetivar-se de um modo único, distinto dos demais, se recortar da massa…
Hoje, multiplicam-se categorias que compõem a tal “diversidade sexual”. Esta bandeira tem valor político, já que há preconceito. Mas forçoso constatar que, no limite, haverá tantas categorias quantos sujeitos desejantes. E a grande utopia seria habitar um mundo em que isto não tivesse importância nenhuma.
Catalogar os modos de encontro e de prazer sexual é como ordenar e nomear as preferências gastronômicas dos sujeitos. Num bufê self-service, aquele que gosta de chuchu é “chuchista”. Então viriam as interrogações sem a menor relevância: seria ele um chuchista desde que nasceu? Teria sido um trauma o que determinou esse chuchismo? Devemos dizer chuchismo ou chuchidade? Venha fazer terapia comigo que eu ensino você a apreciar um bom bife.
Numa época em que só havia três modalidades sexuais evidentes, há décadas, um terapeuta sábio, numa conferência disse o que segue: “quando um cliente chega ao meu consultório se declarando homossexual, na semana seguinte está transando com mulher. Quando chega se declarando heterossexual, na semana seguinte está transando com homem. Quando chega se declarando bissexual, na semana seguinte está impotente” (sic, de livre memória, se você, genial autor da ideia, reconheceu-se, cito seu nome na próxima coluna…).
Desnecessário dizer que a questão aqui está em “declarar-se” ou não, não??! As inclinações sexuais são insuficientes para fazer uma identidade.
A pedidos, engato, em seguida, em novas e velhas seções da coluna. Mas podemos voltar a qualquer assunto em qualquer tempo e em qualquer momento, como o plantão do Jornal Nacional.
2- seção distrital: duas sugestões para o bom convívio no município.
a- Há restaurantes em cujas paredes vemos penduradas placas/convite: “visite nossa cozinha”. Acho que outros estabelecimentos também deveriam seguir o gesto, convidando o cliente a visitar algum cômodo oculto, sala de banhos ou masmorra.
b- Há placas em certos furgões que rodam pelas ruas onde se lê: “como estou dirigindo? Ligue 0800…”. Acho que também nas costas das casacas dos maestros das sinfônicas da cidade deveria haver um aviso do mesmo tipo, com um número de telefone para contato. Um pequeno passo para a meritocracia.
3- Sobre palavras e sobre tombos…
a- Não compreendo palavras jurídicas. Nem judiciais. Malversação; controller; espólio; inventário; minuta; rubricar; endossar; autenticar; protocolar, auditável. Na área empresarial, há algumas bem boladas: alinhar posições; fidelizar a clientela. Também são curiosas aquelas palavras do campo da economia. São todas retiradas de algum outro lugar: afrouxamento; aquecimento; liquidez; solidez; congelamento (retiradas dos oceanos, talvez?).
b- Dizem que quando uma pessoa escorrega e cai, toda a humanidade leva um tombo. Por isso, tem gente que ri de quem cai. Espécie de humilhação milenar: como o homem levou milhares de anos para conquistar a postura ereta, ao cair, desce vários degraus na escala da evolução. Regride ao nível de uma ameba. O riso irrompe como reação nervosa, um fenômeno de massa, cultural. A queda de um homem é o tombo de todos. A dor dele é também a nossa. O riso é tentativa de negar qualquer identidade com o pobre coitado que caiu.
c- Mas, há outro caso de tombo: errar no verbo equivale a uma queda. É um tombo simbólico. Por isso há quem ria também do erro da língua. Cair no chão e errar o verbo põe o homem no mesmo patamar dos animais (o que afinal nem deveria ser motivo de vergonha).
d- Já faz vinte anos, mas eu me lembro bem. Uma senhora muito rica, que tropeça sempre na língua, foi à Europa. Na volta, me disse: “Sergio, na Espanha vi uma dança de flamingos deslumbrante!”. Fiquei honestamente sem saber se ela assistira a uma dança flamenca, ou se de fato ela teria visto flamingos cor de rosa bailando nalgum lago basco…
4- atualidades – mundo.
a- Na semana passada, no jornal, lemos: a política das duas moscas na China! Os banheiros públicos ali são tão imundos, que se instituiu por lei o número máximo de duas moscas por banheiro. Muito justo! Fico pensando quem vai fiscalizar isto. Um funcionário cuja tarefa é contar moscas? Haverá exame de seleção? Quais os critérios de classificação? Matemática? Visão acima da média? Os banheiros públicos por aqui também não são uma beleza, vamos combinar? Poderíamos instituir a política da uma lesma apenas (mais rígida que a de lá…), medida que diminuiria ainda mais o desemprego.
b- Os cidadãos gregos são todos plurais, seus nomes terminam sempre com ‘s’. Razão pela qual são tão sábios, abajures da humanidade. E isto não impediu que seu país se jogasse de cabeça no colapso financeiro… Helás!
5- atenção flutuante e a força inevitável: galgando nuvens…
Penso frequentemente na morte da bezerra. Caminhando mudo pela rua em direção à minha casa, de volta do trabalho, ainda dia, horário de verão, o espírito longe, avistei uma faixa pendurada, esticada entre dois postes: “Perdeu-se um whipped galgo. Sete anos. Branco com manchas marrons. Criança doente. Gratifica-se bem”. Uma esquina depois, outra faixa: “Pizza calabresa. Promoção especial. Tamanho gigante. $$$, tel/fax [xx] 12345678”. Em silêncio, na terceira esquina, percebi que, bem no fundo, minha alma pensa que a pizza calabresa só pode ser feita de galgo…
Evidente! Há no pensamento e no cérebro uma força notável que liga irresistivelmente duas informações ou dois fatos. É a ‘força inevitável’. Somos sujeitos a ela. Ela é mais forte que nós.
Para os amantes dos animais, um aviso: nunca faria pizza de galgo. Também sou sustentável e fiz biologia antes de psicanálise… E pago meus impostos.
(eu poderia ter pensado também que a criança doente queria comer pizza. De galgo?).
6- sou contra (três itens):
a- No campo das artes, sou contra obras dependentes da opinião pública. Uma obra deveria ter começo, meio e fim. E existênciaper se; num processo que antecedesse a apreciação do fruidor/consumidor. A não ser que se trate de um experimento, em que se pretenda borrar as fronteiras da autoria, ou interrogar o processo mesmo de criação, uma história ficcional que contemple o desejo da audiência é prostituição. Como um livro que você estivesse lendo e que subitamente lhe consultasse para saber qual personagem deve matar, morrer, se casar, enriquecer, empobrecer, suicidar, delinquir…
b- sou bastante contra vendedores e vendedoras de loja para quem tudo o que experimentamos está “uma maravilha”. Alguém perguntou?
c- sou contra paulistanos que viajam ao Rio de Janeiro, por um final de semana, e voltam a São Paulo com sotaque carioca que perdura pelo resto da vida.
7- Haicais (quatro verdades universais impalpáveis).
a- A patroa saíra, mas não soubera onde fora [ode ao mais que perfeito].
b- Fazer sexo é muito bom e saudável, – não precisa nem ser comigo.
c- Às vezes algum amigo faz aniversário e compramos um presente tão caro e bom que dá dó dar.
d- ex-mulher tem dois sentidos (mais hoje do que nunca).
(aqui, o leitor deve parar, relacionar este último item com a abertura da coluna – seção 1, registrar suas impressões, ligar alho e bugalho, e enviar para mim, através do email zzzzlot@gmail.com. vale nota de bimestre e é matéria de prova).
8- ombudsman- o outro em mim!
Achamos que o colunista está de parabéns. Damos uma nota tipo 9,8 – valendo de zero a dez; o que é bastante bom. Não leva dez pela falha na comissão de frente. E também porque semitonou ali. Fora isso, tudo bem.
Datazzzlot. Assuntos mais comentados do mês (por e-mail, em números absolutos):
Sexo – 107;
Foto – 37;
Esporte – 28;
Claque – 23;
“Não me contem piadas” – 19;
“Witz” – 14; e,
zzz de zzzlot e xxx do tal bilionário que começa com ‘e’ – 9.
Uma palavra sobre cada item:
a- Sobre sexualidade, minhas posições são as mesmas e estão expostas no item um desta coluna de junho. Cabe acrescentar que muitas mensagens são de apoio e concordância, algumas de alívio até, já que a proposta é a de des-patologizar e legitimar as coloridas inclinações pessoais de cada sujeito. Toda maneira de amar vale a pena, já dissera alguém…
Como o assunto é muito rico e infinito, alguns leitores mandaram curiosas interrogações, tais como “girafas fazem sessenta e nove?”, e “capivaras gostam de sexo anal?”… Não sei responder, não tenho tanta lembrança de minhas outras encarnações. Mas vou ficar de olho!
Outro espirituoso leitor sugeriu que entre humanos se proceda à cópula somente quando a fêmea estiver fértil, para ficarmos assim a salvo de quaisquer recriminações. Ele pergunta ainda como descobrir o período em que fêmeas humanas estão receptivas. Pesquisei exaustivamente e conclui que a bússola é o olfato. O odor entre sardinha e salmão indica encontro sexual abençoado…
b- Sobre a foto da minha pessoa, elogiaram muito, na comparação com a outra, da coluna anterior, em que apareci completamente estrábico (numa homenagem a Sartre). Mandaram inclusive propostas para que eu seja garoto-propaganda de uma marca de toalhas. Meus advogados estão examinando as minutas. Mandaram também propostas de namoro e casamento, mas recusaram o acordo pré-nupcial que exigi, de modos que declinei desse tipo de projeto.
c- Sobre esporte, houve muitos que me lembraram de que o assunto pertence à esfera da alta cultura, citando justamente a Grécia Antiga. Entretanto, não me julguem mal, não sou contra os esportes, senão contra músculos artificialmente inchados (em nome da ditadura da moda). Estou aqui para libertá-los. Xô, tirania!
d- A geração muito jovem absolutamente não compreendeu a reflexão sobre a claque. Os “risos”, “rs”, “kkkkkkk”, “hahahahah”, “hehehehehe”, “rarararararara”, “uahuahuhauhauhah” adentraram na cultura pop de uma tal maneira, que os mais novos não concebem o fato de ter havido um dia em que não era assim que a coisa funcionava. Como se alguém de repente nos dissesse que houve uma época em que não existia garfo e faca – e que essa época talvez fosse melhor. O degrau geracional é cruel e nos leva a constatar que nossos alunos são cada vez mais jovens – para não dizer de outra maneira.
e- Em relação a piadas, infelizmente várias pessoas acabaram entendendo equivocadamente minhas colocações. Os mal-entendidos foram de duas grandes ordens: uns acharam que eu não entendo piada. Por isso, se puseram a me contar piadas e a explicá-las para mim. Tanto pior. O outro grupo acredita que o problema foi nunca ter havido um piadista bom o suficiente que tivesse me feito rir. Então resolveram mostrar como se conta uma boa piada. Quase me joguei do décimo segundo andar do meu apartamento. Porém, lembrei das minhas netas urinadas no berço e me contive (minha nora não presta).
f- “Witz”, o termo em alemão para piada. Alguns leitores ficaram felizes, pois entenderam que eu falo alemão. Acharam que sou muito culto. Sinto desapontá-los: não falo alemão. Outros se convenceram da minha arrogância por ter posto no texto a palavra em alemão. Disseram que fiz uma exibição desnecessária. A estes tenho a dizer que se eu fosse arrogante mesmo exibiria coisas que não exibo e que ninguém sabe. Como títulos de nobreza dos meus antepassados de fina estirpe, o brasão da família e o samovar de titia. Mas se eu listasse aqui essas inúmeras coisas, seria uma exibição. Sou modesto e silencio!
g- Finalmente, recebi mensagens sinceras parabenizando pelos bilhões de dólares que virão, ao batizar minha empresa com tantos ‘zes’ (zzz). O dono daquelas outras empresas com ‘xis’ (xxx), até me telefonou para sugeriu que eu entrasse na bolsa. Agradeci educadamente, mas “para bom espremedor, meia laranja basta”!
Essa última máxima, tomei de empréstimo e é homenagem a gente graúda da escola, da cúpula mesmo, lá do alto – mas não vou citar nomes…
Uma delas é a maior jornalista que já houve na historia da humanidade; o outro, o maior assessor vivo. Além de ator de tamanho enorme que não quer ser ator. Viva eles, desta vez!
Terminei a coluna passada com um limão. Termino esta com meia laranja-pera. Sinal de bom augúrio!
Até julho, muitos beijos e beijas…
Ou, até julha, nesta época de liberdades…
* por Sergio Zlotnic, especial para o portal da SP Escola de Teatro – zzzzlot@gmail.com