A atriz Laura Cardoso em ensaio para o livro “Retratos do teatro” (Foto: Bob Sousa)
“Ter uma foto de Shakespeare seria como ter um prego da Santa Cruz.”
A frase de Susan Sontag (1933-2004), publicada em seu livro “Sobre fotografia” (1977) – em que apresenta seis ensaios a respeito do significado e da evolução da fotografia –, me traz um profundo encantamento. Primeiro, por se tratar de uma das maiores intelectuais do nosso tempo, que criou, nesta obra, um diálogo intenso entre fotografia, filosofia, sociologia, estética e história da arte. Em segundo plano, e aproximando o diálogo para a minha prática fotográfica, a citação direta envolvendo teatro e fotografia.
As imagens sempre nos ajudaram a interpretar a realidade e nem mesmo o pensamento científico e humanístico afastaram a dependência do poder imagético sobre a apreensão do real. Com o passar do tempo, o que se constatou foi oaumento da crença nas imagens. Segundo Sontag, no prefácio à segunda edição de “A essência do cristianismo” (1843), Ludwig Feuerbach observa a respeito da “nossa era” que ela “prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser” – ao mesmo tempo em que tem perfeita consciência disso.
Esse pensamento de Feuerbach,que foi escrito após a invenção da câmera fotográfica, consegue sintetizar o impacto que a fotografia viria a causar em nossa sociedade. A sociedade passou a produzir e consumir imagens que determinam as nossas necessidades e podem substituir as experiências sociais no caminho da felicidade. As imagens fotográficas possuem certa autoridade sobre nossos desejos e anseios.
Para Susan Sontag, uma foto nunca é apenas uma imagem, uma simples interpretação do real: é também um vestígio, uma pegada deixada por alguém que já ocupou o lugar da fotografia, e tem o poder de se apoderar da realidade. Uma pintura é uma expressão do artista, uma foto traz consigo um vestígio material da emanação de luzes refletivas pelo objeto.
Desse modo, os mais de 500 retratos que capturei nessa breve carreira junto ao teatro paulistano trazem os vestígios de luz irradiados pelo artista e revelam mais do que as suas representações. Trazem em sua imagem a aura de cada um.
E como seria se pudéssemos sentir a aura do bardo William Shakespeare?
Bob Sousa é fotógrafo de teatro e mestrando em Artes Cênicas no Instituto de Artes da Unesp sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre Mate.