Neste mês de março, está de volta a seção Radioarte, todas as segundas-feiras, um projeto radioteatral que integra as ações do Programa Kairós, como atividade de contrapartida pela bolsa-oportunidade. Produzidos no estúdio da SP Escola de Teatro – Centro das Artes do Paulo. Os podcasts são produzidos no estúdio da Escola, sob direção de Maurício Paroni de Castro que também cuida da trilha e da dramaturgia geral.
A volta do do Radioarte traz um drama de suspense, circo, maus-tratos e ironia: “Braulia, Bernarda, Marta e o Gorila” apresenta um grande elenco de vozes convidadas: a Família Brumana Camozzi – Rachel e Nina –, os degenerados Paroni e Fioratti, o grave Cássio Santiago, a maliciosa Elisa Band, a dura Gisa Gutervil. A direção e dramaturgia do Grand Guignol é de Maurício Paroni de Castro, com a colaboração técnica de Renato Navarro e locução inicial de Sylvia Soares.
Aqui, o primeiro de cinco emocionantes capítulos dessa história de totalitarismo com muito suspense e final feliz!
Leia o texto de Paroni sobre o gênero Grand Guignol:
Após a Segunda Guerra, o gênero perdeu boa parte de sua eficácia. Diante dos extermínios sistemáticos organizados por Hitler e Stálin (imitados por dezenas de líderes políticos no chamado período de paz do pós-guerra), a sensibilidade popular ao absurdo da morte de massa foi anulada. Via evocação de lendas urbanas, procurei aguçar o sentimento, ainda que na forma tragicômica que revive o clima pré-expressionista do início do século XX. Qual o percurso do gênero que permite tal promiscuidade artística? O realismo teatral do final do Século XIX degenerou num gênero mais verdadeiro que a “verdade” pós-moderna: o Grand Guignol.
Guignol era um fantoche criado em Lyon no final do século XVIII. Em pouco tempo, a popularidade alcançada o transformou em sinônimo de teatro de bonecos. Grand Guignol foi o nome escolhido por Max Maurey para batizar o Théatre Sallon de Paris, no ano do fechamento definitivo do Théatre Libre de André Antoine, em 1899. O lugar era a oficina de experimentação de Oscar Métenier, seu colega no Théatre Libre, que defendia a abolição dos limites impostos pelas convenções cênicas, na busca de maior autenticidade da ficção.
Essa era a principal premissa de uma concepção do espaço teatral originada na reorganização hiper-realista das cenas, ainda hoje difícil de ser conseguida. Os atores eram desvinculados da imposição de postar-se “teatralmente” e agiam como se estivessem totalmente mergulhados na realidade. “Estar em cena” era o mesmo que estar em um quarto, numa sala ou em uma rua. Não mais em uma cenografia que “representava” tais lugares. Paralelamente às inovações estruturadas da recém-inventada direção, os próprios conteúdos das representações progrediam, influenciados pela poética do teatro realista.
As audazes experiências do Théatre Libre de André Antoine começaram a ser metabolizadas – ainda que não compreendidas – por um público burguês fascinado com os temas de horror e sexo propostos pelo Guignol. Ali, Métenier vai além: explora emoções suscitadas nos expectadores por situações escabrosas de dramas realistas, exageradas ao extremo. Surge a dramaturgia do Grand Guignol como conhecemos hoje.
Involuntariamente, Métenier havia criado um gênero nascido da poética realista. Situações dramáticas eram levadas a extremas consequências, sempre pontuadas por degeneração moral. Depois desta fase inicial passou-se a empregar elementos na insígnia da loucura, de fenômenos espíritas, de experiências paranormais. Eram dramas cruéis e violentos onde se disseminavam depravações, torturas e delitos com predileção pelo horror e pela morbidez. A última fase utilizou temas sádico-eróticos.
Na Itália, o gênero foi introduzido em 1909 por Alfredo Sainati, ator que fundou uma companhia de Grand Guignol que alcançou grande sucesso. Numa de suas crônicas teatrais no jornal Avanti, em 1916-20, Antonio Gramsci estigmatizou-lhe o decadentismo: “Por que o público se diverte no Grand Guignol, se a própria natureza humana foge da dor e do sofrimento? Qual a causa disso ser motivo de atração no teatro? Não podemos falar de fruição artística no que diz respeito à criação de fantasmas poéticos exprimidos plasticamente pelo drama. É evidente que a razão da fortuna desse tipo de teatro deve-se inteiramente aos atores […]. De tragicidade não há nada, além da máscara exterior e do espasmo físico que se tenta comunicar ao espectador, entorpecido com um tremor irresistível.[…] A matéria bruta, qual betume de notícia marrom, organiza-se na elasticidade da personalidade artística [do ator que a interpreta], que sabe comportar-se no modo mais atroz e mais sanguinariamente sugestivo. Assim, o espectador, que vai ao teatro para acanalhar-se e sentir uma tensão nervosa que lhe dê a impressão da vida fictícia do cortiço, fica satisfeito e aplaude”.
(De um artigo meu publicado em cronopios.com.br)